Às vezes a gente acha que os algoritmos podem resolver tudo em nossas vidas.
Eles definem qual e quando veremos aquele filme. Onde e com quem teremos aquela discussão nas redes sociais... quais os assuntos que nos deixam tão interessados que passamos cada vez mais tempo a sua mercê. Os algoritmos estão aí para facilitar, mas não para definir.
Ainda precisamos aceitar os recursos de rastreamento, escuta e outros (os tais cookies) espontaneamente, nós mesmos (afinal nem os robôs querem falar com robôs). Ainda podemos decidir o que fazer, o que assistir, com quem encontrar, saber quem está perto ou longe como antigamente: com uma visita, um telefonema e até mesmo uma carta (sim, os correios ainda cumprem este papel, apesar de andarem tão ocupados entregando encomendas que vem do longínquo oriente).
Os algoritmos ainda não são senhores absolutos de tudo aquilo que a gente faz entre as 6 e as 6 horas. Será?
Os algoritmos não substituem companhia. De que adianta eu saber que tem um café fantástico onde eu posso ler, ouvir música, trabalhar e até tomar café (coado na mesa, com aquela sensação de casa de vó). De que adianta se não tenho a agradável companhia de um ser humano? Mesmo que às vezes a companhia não seja perfeita.
Aí vem o pessoal que diz: quanta carência, prefiro viver só, prefiro cuidar dos meus gatos e cães do que interagir com a humanidade.
Entretanto nem tudo na vida se resolve com um cachorro, um gato e o Google. É uma questão antropológica: estamos programados para viver em plural. Tudo que fazemos em mais que um, tem o potencial de trazer mais intensidade aquilo que pensamos, sentimos, queremos, fazemos...
Os algoritmos estão aí para facilitar, não para definir e, ao contrário do que muita gente pensa, não é um algoritmo que vai nos colocar frente a frente com uma grande emoção, com uma grande companhia, com uma grande felicidade e até mesmo com um grande amor.
Os algoritmos estão aí só para facilitar, não para definir. Mas, com nossa ansiedade, nossa insatisfação, nossa solidão o que acontece é que nossas escolhas acabam sendo definidas todos os minutos de todas as horas de todos os nossos dias por eles.
Existe um discurso que ganhou força com a pandemia e que pode ser traduzido com um meme: pra quê vou sair de casa se tenho meu cachorro/gato, Netflix, ifood e trabalho em home office? Neste ponto chega a hora em que estamos falando sozinhos, falando com os pets, falando com máquinas e criando um mundo virtual habitado apenas pela gente mesmo. Será o primórdio de uma meta vida? Até os amigos são virtuais, visto que "fique em casa" é o "novo normal", a ordem natural das coisas. Em outros tempos o nome disso seria esquizofrenia. Vivemos uma esquizofrenia coletiva-seletiva.
Esquecemos que para garantir nosso "fique em casa" temos o motoboy, o lixeiro, os cozinheiros, as domésticas e toda uma rede de PESSOAS servindo aos algoritmos que te trazem tanto conforto...
Algoritmos estão aí para facilitar, não para definir.
Solidão não é o descontentamento de estar consigo mesmo. Posso me sentir muito bem só. Mas, sempre tem um "mas". Com uma boa companhia, tudo que fazemos sós, tem outro prisma e gera uma vivência que se acumula a outras e nos transforma em pessoas melhores, ou não.
É por isso que a gente não pode ficar na mão de um algoritmo (ou vários). A gente precisa encontrar pessoas reais no mundo real e não precisa, não queremos, não podemos limitar essas pessoas ao círculo restrito de pessoas que a gente conhece desde sempre. Seria muito triste a gente conviver 80, 90 ou100 anos no círculo restrito de 10/15 pessoas. A vida está aí para que a gente conheça muitas pessoas para que a gente se esparrame conhecendo pessoas, para que a gente, através das pessoas, conheça muitas situações e sentimentos e emoções. Prazeres novos, novos jeitos de fazer e de se divertir e nisso um algoritmo pode facilitar mas ele não pode definir.
Quem define a vida é o seu proprietário. Não deixemos os algoritmos tomarem conta da nossa propriedade. Eles não foram criados para isso.