quinta-feira, 31 de março de 2022

Sobre os algoritmos "sociais".

 



Às vezes a gente acha que os algoritmos podem resolver tudo em nossas vidas. 

Eles definem qual e quando veremos aquele filme.  Onde e com quem teremos aquela discussão nas redes sociais... quais os assuntos que nos deixam tão interessados que passamos cada vez mais tempo a sua mercê.  Os algoritmos estão aí para facilitar, mas não para definir.

Ainda precisamos aceitar os recursos de rastreamento, escuta e outros (os tais cookies) espontaneamente, nós mesmos (afinal nem os robôs querem falar com robôs).  Ainda podemos decidir o que fazer, o que assistir, com quem  encontrar,   saber quem está perto ou longe como antigamente: com uma visita, um telefonema e até mesmo uma carta (sim, os correios ainda cumprem este papel, apesar de andarem tão ocupados entregando encomendas que vem do longínquo oriente).

Os algoritmos  ainda não são senhores absolutos de tudo aquilo que a gente faz entre as 6 e as 6 horas. Será?

Os algoritmos não substituem companhia.  De que adianta eu saber que tem um café fantástico onde eu posso ler, ouvir música,  trabalhar e até tomar café (coado na mesa, com aquela sensação de casa de vó). De que adianta se não tenho a agradável companhia de um ser humano?  Mesmo que às vezes a companhia não seja perfeita.

Aí vem o pessoal que diz: quanta carência,  prefiro viver só, prefiro cuidar dos meus gatos e cães do que interagir com a humanidade.  

Entretanto nem tudo na vida se resolve com um cachorro, um gato e o Google. É uma questão antropológica: estamos programados para viver em plural. Tudo que fazemos em mais que um, tem o potencial de trazer mais intensidade aquilo que pensamos, sentimos, queremos, fazemos...

Os algoritmos estão aí para facilitar, não para definir e, ao contrário do que muita gente pensa, não é um algoritmo que vai nos colocar frente a frente com uma grande emoção, com uma grande companhia, com uma grande felicidade e até mesmo com um grande amor.

Os algoritmos estão aí só para facilitar, não para definir. Mas, com nossa ansiedade, nossa insatisfação, nossa solidão  o que acontece é que nossas escolhas acabam sendo definidas todos os minutos de todas as horas de todos os nossos dias por eles.

Existe um discurso que ganhou força com a pandemia e que pode ser traduzido com um meme: pra quê vou sair de casa se tenho meu cachorro/gato, Netflix,  ifood e trabalho em home office? Neste ponto chega a hora em que estamos falando sozinhos, falando com os pets, falando com máquinas e criando um mundo virtual habitado apenas pela gente mesmo.  Será o primórdio de uma meta vida? Até os amigos são virtuais, visto que "fique em casa" é  o "novo normal", a ordem natural das coisas.  Em outros tempos o nome disso seria esquizofrenia.  Vivemos uma esquizofrenia coletiva-seletiva.

Esquecemos que para garantir nosso "fique em casa" temos o motoboy, o lixeiro, os cozinheiros, as domésticas e toda uma rede de PESSOAS servindo aos algoritmos que te trazem tanto conforto...

Algoritmos estão aí para facilitar, não para definir.
Solidão não é o descontentamento de estar consigo mesmo. Posso me sentir muito bem só.  Mas, sempre tem um "mas". Com uma boa companhia, tudo que fazemos sós, tem outro prisma e gera uma vivência que se acumula a outras e nos transforma em pessoas melhores, ou não. 

É por isso que a gente não pode ficar na mão de um algoritmo (ou vários). A gente precisa encontrar pessoas reais no mundo real e não precisa, não queremos, não podemos limitar essas pessoas ao círculo restrito de pessoas que a gente conhece desde sempre.  Seria muito triste a gente conviver 80, 90 ou100 anos no círculo restrito de 10/15 pessoas. A vida está aí para que a gente conheça muitas pessoas para que a gente se esparrame conhecendo pessoas, para que a gente, através das pessoas, conheça muitas situações e sentimentos e emoções.  Prazeres novos, novos jeitos de fazer e de se divertir e nisso um algoritmo pode facilitar mas ele não pode definir.

Quem define a vida é o seu proprietário.  Não deixemos os algoritmos tomarem conta da nossa propriedade.  Eles não foram criados para isso.  

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A regulação das mídias e o nosso direito de conhecer diversas versões da verdade



Diz-se que a verdade só existe no momento em que ocorre e que, a partir disso, é uma mera versão dos fatos, muitas vezes narrada através de uma interminável brincadeira do tipo "telefone sem fio"... Quando chega aos nossos ouvidos, muito ou pouco dela sabemos, se é que sabemos!

Não sou uma expert, mas vou tentar usar de bom senso e das informações recolhidas em diversos veículos, on e off line, para embasar minha opinião sobre a regulação das verdades que é nada mais, nada menos que a regulação dos meios de comunicação. Em última análise, é a minha opinião de cidadã que se beneficia ou prejudica pela liberdade das mídias a que tem acesso.

A primeira questão é: porque é necessária a regulação da mídia e o que ela deve regular.

A necessidade de regulação surge da atual legislação obsoleta. Ainda hoje vigora o Código Nacional de Telecomunicações de 1962! Nesta época não tínhamos nem tv a cores no país e internet era um conceito inexistente...

Apesar de remendado em 1994 (pela Lei da TV a Cabo) e em 2011 (pela Lei da TV Paga), nossa legislação ainda não contempla as discussões mantidas com a sociedade em 2009, quando se realizou a I Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) sob os auspícios da Secretaria Geral da Presidência da República.

Nesta ocasião, em conclusão ao encontro, 672 propostas foram apresentadas ao governo em formato de um documento que seria o balizador de futuras legislações, códigos regulatórios e etc... Neste documento estão presentes, entre outros itens mais ou menos importantes, a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão, a regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal (que trata da regionalização da programação da televisão), os direitos autorais, a comunicação pública (radiodifusão estatal), o marco civil da internet e a concretização do Conselho Nacional de Comunicação. Com exceção da exigência do diploma, os demais assuntos em que pese sua maior importância ainda estão sem encaminhamento prático/legal.

O Marco Civil da Internet mofa em Brasília e já começa a feder a demora em aprovar o conjunto de regras que tornaria a legislação brasileira de Internet uma das mais avançadas do mundo e que, ao longo destes quatro anos, já sofreu tantos cortes, remendos, adições que está quase irreconhecível se o compararmos ao original. E não podemos ignorar a internet como veículo de comunicação. Mesmo os tradicionais veículos impressos dividem-se hoje entre o on e o off.

Por estas razões fundamentais urge um novo acordo civil em torno de concessões e atuação das novas e antigas empresas de comunicação. E este acordo deve ser balizado pelas necessidades de informação do cidadão e não de seus governos. A informação não pode ser arma mercadológica na mão de meia dúzia de famílias como também não poderá ser escrita ao sabor das diferentes correntes ideológicas que se fizerem governo.

E que acordo seria este?

Do meu ponto de vista, este deve ser um acordo que contemple uma nova forma de divisão das permissões necessárias para o funcionamento de uma empresa de comunicação. É o antigo vespeiro das concessões públicas de sinais de radiodifusão, da exigência de nacionalidade brasileira para os acionistas majoritários, entre outras regras... Inclui também a discussão da censura, que a meu ver não pode existir, tendo os conteúdos publicados um único balizador moral aceitável que seria a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os julgamentos de mérito de violações, seriam então submetidos a um conselho com poder de exigir a retratação imediata do infrator. Fora este balizador, jamais, se deve interferir no conteúdo de veículos de comunicação. Mesmo quando for uma flagrante violação à nossa ideologia, forma de vida, cultura, religião.

E este Conselho?

Pessoalmente gosto de citar a experiência Dinamarquesa e a solução encontrada para a regulação dos conteúdos na mídia. Eles tem um conselho formado por 13 pessoas. A figura central, e quem decide os impasses, é um juiz da suprema corte do país. Seis integrantes são indicados pelos veículos de comunicação e os outros seis são indicados pelo governo mas não podem ser funcionários públicos ou políticos (com mandatos ou filiados a partidos), devendo ser cidadãos com notável saber na área. Obviamente na Dinamarca os governos não tem a cara de pau dos nossos mas, este já é um outro assunto...

Para encerrar...

A regulação é mais que necessária, é imperativa. Deve principiar pela reformulação completa das regras de concessão, com vistas a impedir os atuais monopólios e retirar das mãos de cinco, seis famílias as "capitanias hereditárias" com que foram brindadas na década de cincoenta, sessenta... Mais que isso, as regras de concessão devem considerar e regular a existência de veículos locais, comunitários e cooperativos que crescem na mesma proporção do avanço tecnológico do setor.

A regulação deve ainda, contemplar meios de reparação quando os veículos excederem de seu papel e infringirem a Declaração Universal de Direitos Humanos. Isto jamais significará censura, pois não prevê o impedimento da publicação do que quer que seja, mas a retificação imediata e com destaque sempre maior do que o publicado, do parecer do conselho que tem poder de exigir a retratação da notícia onde a declaração tiver sido tocada.

E a regulação deve findar ao considerar a pluralidade da sociedade em que está inserida e isto significa garantir voz não apenas à maioria, mas prever o respeito da liberdade de expressão das minorias, quaisquer que elas sejam.

A regulação no país deve passar pela discussão ampla com a sociedade e a apresentação de propostas técnicas a ser referendadas por toda a população, quer por representação (um conselho eleito para esta finalidade), quer na participação direta através de um plebiscito. Nada do que escrevi acima é novidade nos círculos que discutem ou acompanham as discussões, mas deveria também não ser novidade pra gente que, em tese, não tem nada com isso.

Todo mundo, do bebê ao moribundo, tem muito a ver com a divulgação das versões dos fatos e temos o direito de exigir que estas versões nos cheguem o mais próximo possível daquilo que realmente ocorreu...

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O movimento contra o aumento das passagens e o Diretas Já.

Deve ter um monte de gente me achando maluca ao relacionar estas duas manifestações. Não se precipite. Me dê alguns parágrafos de leitura...

Daqui a pouco começa o manifesto organizado por estudantes, coletivos anarquistas e movimentos comunitários contra o aumento das passagens de ônibus em Porto Alegre. Sim, a verdade é que estes são os responsáveis pela mobilização que vem sendo "sequestrada" pelos partidos instituídos, como é de praxe nestas situações. Em 1984 foram estudantes, coletivos e movimentos comunitários quem deram o pontapé inicial ao movimento Diretas Já. Não foram os partidos de então, como não são agora... Embora eles sempre saibam se aproveitar muito bem dos holofotes e das fotografias nos jornais, empunhando suas tristes e corroídas bandeiras.

Diferenças óbvias entre os movimentos: os objetivos.
Semelhanças nem tão óbvias: a motivação de quem participa.

Hoje a mobilização se dá em torno de 10,00, 12,00 reais a mais no orçamento das pessoas no final do mês. É pouco. Não justifica tanto alarde. Mentira. A motivação não é esta. As motivações são muitas e me atrevo a enumerar algumas, que, como vocês verão, tem muito em comum com o sentimento que nos levou às ruas em 1984.

A inflação do assalariado está em curva ascendente, enquanto o governo publica índices não compatíveis com as contas nossas do dia-a-dia. Basta um olhar atento e percebemos o aumento dos PFs nos restaurantes populares, puxados pela alta, sazonal ou não, de alguns ítens dos cardápios. Mas, também puxada pelo exagero dos tributos, das taxas anuais de licenças e outras que só quem vive o cotidiano de pequeno negociante conhece. Minha compra mensal de supermercado (mesmos itens, sempre) aumenta entre 12 e 15% todo mês desde novembro do ano passado...

Os serviços especializados de sapateiro, manicure, cabelereiro, eletricista, encanador, sobem a cada dia. Com certeza está na ponta da língua dos defensores do governo, que isso alavanca a economia pois aumenta o poder de compra dos mais pobres. Em parte sim, em parte isso apenas reflete um número cada vez menor de pessoas capacitadas e dispostas a assumir estas funções (lei de mercado: menos especialistas, especialistas mais caros).

Enquanto tudo isso acontece, nossos manifestantes estão quietos em seus quartos, diante de seus smartphones, notebooks, computadores e parafernália eletrônica comprada em dez suaves e comprometedoras prestações. E não estão apenas jogando. Estão se informando. Estão buscando algo por fazer. Estão pensando na vida. Estão amadurecendo. Estão percebendo que a vida está complicada. Estão em contato com mais pessoas do que seus pais jamais conversaram ou imaginaram fora de uma procissão de navegantes!! Estão a dar-se conta de que os empregos dos pais deles ou não existirão mais ou serão tão imorais que não servirão às aspirações desta geração.

Enquanto isso, a educação oferecida a este jovem, quer na rede pública, quer na privada é decadente, decepcionante, desestimulante. Não podemos pensar em engenheiros, administradores de empresa, cientistas sem a menor condição de interpretar um texto, discorrer sobre um tema ou argumentar. E somos incapazes enquanto escola de desenvolver estas necessidades.

Enquanto isso, este jovem se dá conta de que precisa se mobilizar. Mas ainda não consegue formular um discurso político coerente com as suas aspirações futuras, porquê para isso é preciso pensar, articular, questionar, propor, discutir. E nossa sociedade extirpou da vida deles nos últimos trinta anos, os fóruns e instrumentos possíveis para isso.

Infâncias terceirizadas e institucionalizadas criaram duas gerações sem pai nem mãe literalmente. E estas gerações órfãs recém estão começando a cobrar a fatura. Recém se apercebem da falta de instrumento para enfrentar os problemas gerados por uma sucessão de governos apodrecidos por décadas, para não falar em séculos, de corrupção. Falta de instrumento para participar da resolução dos problemas assimilados por gerações adormecidas e estanques em seus compartimentos individuais, onde se protegem como podem e tentam ignorar a noção de sociedade.

Prestem atenção: quando a minha geração saiu às ruas exigindo Diretas Já, não tínhamos ideia do que isso significava. Fomos na onda. Fomos manipulados. Mas também fomos conscientes de que a manutenção da ditadura não nos representava. Fomos conscientes que aquele era o momento em que algo precisava acontecer e que para acontecer, nós precisávamos acontecer antes.

Estes mesmos jovens que hoje estão se manifestando contra o aumento da passagem em Porto Alegre, assinaram uma petição com mais de 1 milhão de participantes contra Renan Calheiros, inundam as redes sociais com posts exigindo a renúncia do Feliciano. Falam em Marco Civil, em Feminismo, em Ecologia, em controle de poluição das águas, em impedir o corte de árvores decorativas pela cidade...

Sei que nossos pais não se orgulharam publicamente do nosso comportamento durante as Diretas Já. Muitos deles tinham medo, nos ridicularizavam dizendo: as coisas são como são, nada vai mudar. A merda não muda, mudam as moscas (às vezes nem isso...). Pois é. Tudo tem dois lados e muitas versões pois a verdade só existe enquanto acontece. Neste momento acontece uma multidão exigindo não apenas a redução nos valores da passagem. Eles exigem que o método de cálculo seja revisto, eles exigem planilhas e condutas abertas e transparentes, ao alcance dos cidadãos. Esta é a luta. Queremos saber. Precisamos entender como e onde nos manipulam. E estes jovens estão apenas começando.

Não se iludam acreditando que estes jovens estão brigando por dez, doze reais. Não. Eles estão testando limites. Eles estão se preparando para novas brigas, pois já se deram conta de que existem muitas porque lutar.


segunda-feira, 11 de março de 2013

O Google e a gente...



Mesmo reconhecendo o papel do Google como grande compartilhador, indexador e estimulador do conhecimento na Web, pra tudo tem limite e eu gostaria de saber até onde vai a falta de limite para o Google xeretar a minha, a sua e a nossa vida.

Os Google Glass, por exemplo,  são apenas um acessório em teste (possivelmente comercializados antes que a gente diga: hein?!). Utilizando estes óculos podemos postar nas redes sociais num literal piscar de olhos... Sem que ninguém perceba. Ah, legal, interativo, dinâmico. Mas e se quem estiver sendo clicado for a namorada ciumenta de alguém dando um ataque? Ou se uma brincadeira entra amigos mais apimentada se tornar uma crucificação pública por causa de um comentário infeliz feito inicialmente a um ou dois amigos? Em tempos que amplificam nossas vozes e gestos, este é um risco excessivo de ferir um princípio moral básico: o direito à privacidade...

Entretanto, além dos óculos, o Google já desenvolveu inúmeras ferramentas capazes de reunir informações pessoais e privadas de praticamente qualquer usuário da Web.

O que é feito de tudo isso? Comércio, planejamento de marketing, produtos customizados... Tudo com muito boa intenção, certo? Só que não. Mesmo por detrás de nossas senhas de perfis nas redes sociais, muitas informações são coletadas, armazenadas, analisadas sem ao menos termos um conhecimento consciente e consistente do assunto.

Quando clicamos em qualquer consentimento expresso, por detrás, estamos consentindo muito mais do que nossa vã sabedoria internauta gostaria.... Coisas que nos interessam são compartilhadas entre empresas, servidores e outros players e um sem fim de outras que nunca, jamais gostaríamos que soubessem a nosso respeito também!

Muitos países tem se demonstrado preocupados com esse novo formato de negócio e se aproveitando desta preocupação, comum e pertinente, reagem propondo uma regulamentação absurda da internet. Sua justificativa: barrar iniciativas que contrariam frontalmente nosso direito à privacidade. Louvável. Só que não, mais uma vez.

Governos também se apropriam e geram  informações e estão mais preocupados em não permitir a difusão daquelas que lhes são caras, com isso afrontando nosso direito à informações claras e transparentes na área pública.

Se, por um lado, querem barrar as informações privadas recolhidas pelos gigantescos players da web, por outro, propõem legislações absurdas na tentativa de bloquear o processo irreversível de mobilização cidadã em busca de informações de estado e de governo.

Parece que, mais do que simples preocupação, precisamos adotar precauções...  O mundo virtual é como o real. Cuide-se.

domingo, 3 de junho de 2012



Sonho e semente. Dor e crescimento.
É assim: a gente engravida, a gente ajuda a andar, ajuda a ler, ajuda a entender. A gente ama. A gente acha que entende. E um dia a gente já não entende mais nada.
Ser mãe de alguém que cresce é isso. Quando plantamos a árvore não temos a noção exata do tamanho que ela terá, se suas raízes quebrarão as calçadas ou seus galhos alcançarão a rede elétrica. Ou se a árvore tombada fará mal a alguém. Árvores são árvores e embora possam, ou não, sofrer (não sabemos, nunca fomos árvores) nos sentimos responsáveis apenas pelo plantio e pelo controle externo de seus atos.
Filhos não são árvores. Não podemos podar, transportar, ignorar, mudar de casa e de quintal. Fingir que não existem (embora eles acreditem que podemos).
Tenho um filho que dos dez aos treze anos tinha dores de crescimento. Ele jurava que sentia os ossos crescendo, tentando se arranjar no corpo ainda pequeno de criança. Deve ser a dor da árvore, ano após ano, gerando um novo círculo de crescimento.
Sorte das árvores que não sentem a dor do crescimento interno. A dor que sentimos quando descobrimos que o mundo não é feito de peças de Lego ou personagens de RPG. É avassalador descobrir que não podemos evocar poderes mágicos para lidar com a prova, o vestibular, a autoridade, o não poder ir nesta ou naquela festa, a pressão do mundo por saber o que será quando "crescer" e que tipo de adulto corresponde a qual semente.
É terrível descobrir que não temos as mesmas oportunidades porque a sociedade possui salas de acesso restrito, que para termos isso precisamos ter aquilo. Pré requisitos de civilidade ou camadas de verniz que aos poucos vão nos uniformizando. O pior é quando não aceitamos as camadas de verniz ou as regras da civilidade, quando reinventamos a existência medíocre porque não estamos interessados em ser média, queremos mais.
Bem, não sei onde quero chegar, é apenas uma reflexão sobre dor e crescimento.
Ser mãe também acarreta dores de crescimento. Quem tem a oportunidade de ter mais de um filho, passa pelas mesmas dores mais vezes e isso não quer dizer que a gente aprende a lidar melhor ou pior com elas. Esse é um dos problemas da dor. Não existe mensurar a dor. A dor de um não é a mesma do outro, ao mesmo tempo que é. Aí chegamos no conceito de relatividade da dor... Ah, esses conceitos maravilhosos e a possibilidade de fazermos pouco de tudo.
Do ponto de vista budista, a dor é apego, se desapegarmos, ela desaparece. Simples assim. O distanciamento nos ajuda a ajudar, podemos ver a dor, lidar com ela, eliminar o motivo. Assim se me dói ver um filho sofrer, devo ignorar o fato da dor estar atingindo alguém a quem amo tanto. Se eu racionalizar, descubro que a dor do meu filho é a dor da humanidade pois todos nós sentimos a dor da existência em diferentes momentos, intensidades e instâncias. Isso ajuda. Coloca a dor em seu lugar: ela é igual pra todos.
Dar um tempo, esperar passar, oferecer colo. Muitas dores se amenizam com o tempo, ninguém precisa fazer nada. Pelo contrário: quanto mais se mexe na dor mais ela se avoluma dentro de nós, mais ela vai além de nós, mais ela atinge o outro.
Dia de sol em Porto Alegre: escrever sobre a dor me fez colocá-la em seu lugar.
Desculpem já alimentei a dor por tempo suficiente hoje. O sol lá fora me chama.

domingo, 10 de abril de 2011

Tragédia no Rio e entre nós...

Na quinta não assisti televisão, não escutei rádio, não entrei na internet, não andei de táxi.
Portanto na sexta feira quando peguei o jornal e dei de cara com a manchete levei um susto! Minha primeira vontade foi voltar correndo pra casa e me grudar nos meus filhos pra sempre.
Reprimi a vontade, deixei o jornal na caixa de correspondência e saí para o trabalho.
Com o passar do dia, dos dias e dos comentários, editoriais e abobrinhas relacionadas, me senti na obrigação de comentar o assunto.
Os bodes expiatórios estão eleitos: desde a venda ilegal de armas, passando pela falta de assistência psiquiátrica no SUS, não esquecendo da falta de segurança nas portas das escolas; foram inúmeros os bodes expiatórios citados pela imprensa e pelas pessoas.
Senti falta de um. Na verdade, acredito que os bodes expiatórios (veja-se a definição que temos deles), são apenas manobras diversionistas para esconder reais motivações.
Uma coisa me chamou a atenção no relato de um vizinho do Wellington, a informação de que ele se transformou com a morte dos pais. Falou da influência da internet no desenvolvimento da violência que devia estar latente nesta pessoa, reprimida talvez pela vigilância familiar ou pelo carinho familiar, não sei, não sabemos.
Depois de sentir o que senti, de conversar com as pessoas que conheço e se tocaram com o acontecido. Depois de ver meus filhos seguros em sua escola e em sua casa; depois de pensar e ponderar, chego à conclusão que sempre chego, sempre que analiso as coisas ruins que acontecem e penso se não estou sofrendo um surto de onipotência combinado com um surto compulsivo de tentar evitar que acontecimentos como este ocorram novamente.
Penso que antes de levarmos o Wellington para o banco dos réus (e ele mereceria a maior pena do mundo), precisamos fazer um mea culpa.
É nossa, e quando falo "nossa" refiro-me à sociedade organizada como se encontra, cada vez que obrigamos mulheres a sair de casa para o trabalho aos 3 meses de idade de um filho; é nossa quando ostentamos shoppings centers a cada esquina de nossas cidades; é nossa quando chegamos exaustas e exaustos em casa e terceirizamos a educação básica dos nossos filhos.
É nossa quando mal nos atemos aos nossos pequenos distúrbios mentais de todo dia e muito menos ainda prestamos atenção aos sinais evidentes de alterações emocionais de nossos filhos.
É nossa quando não estamos presentes para dizer não ao bebê de 1 ano de idade; é nossa quando não apoiamos os primeiros passos de nossos pequenos na escola; é nossa quando não percebemos o tratamento desumano a que são submetidos nossos adolescentes vítimas de bullying (êita palavrinha na moda e cujo espectro conhecemos desde sempre, pois quem nunca sofreu ou viu sofrer de desrespeito na escola?).
Em minha modesta opinião de mãe, de profissional, de ser humano, Wellington é apenas um emblema traumático de como nos desfizemos como pessoas e como estamos nos arranjando como consumidores ávidos de novidades para preencher a falta de atenção diária com que brindamos nossos filhos sejam eles milionários de berço ou pobres de doer.
É preciso que recoloquemos em nossa pauta de tarefas a tarefa árdua e extenuante, necessária e fundamental de ensinar humanidade aos nossos filhos, nos preocuparmos com eles não apenas até a 4ª série mas para todo o sempre.
Todos sabemos que estamos aqui para aproveitar a vida da melhor maneira e é necessário ter esse conceito claro desde a mais tenra idade: prazer e civilidade se completam, não é propriciando apenas o prazer que ensinamos a civilidade e nos dias de hoje o que mais nos tem faltado é essa capacidade fundamental de seres racionais, é o princípio da civilidade no sentido do respeito ao outro, do enxergar nas necessidades do outro as nossas e as de nossa sociedade.
A culpa da tragédia no Rio é da falta de civilidade básica, a  falta que fez a este Wellington uma família que se desfez prematuramente pela morte; a falta que lhe fez uma escola atenta aos desastres emocionais entre suas quatro paredes; a falta que lhe fez uma sociedade atuante que não enxerga as necessidades de seus membros, como ocorre nos conflitos oriente x ocidente e vice e versa.
A culpa da tragédia no Rio é nossa como civilização, pois fatos como este comovem em todo o mundo. O terror mais assombroso de nossos dias é aquele que se desenrola na porta ao lado e este terror só será extinto com a nossa atenção redrobrada, com a nossa capacidade de enxergar o outro como é e a partir disso encontrar saída para tratarmos aqueles que necessitam de tratamento, ouvir aqueles que necessitam falar e amparar o choro daqueles que hoje choram pois assim podemos evitar muitas das lágrimas que temos pela frente...
Minha resposta à tragédia no Rio hoje, passados 3 dias, é orar pelas almas dos que se foram e falar para aqueles que ficaram que nunca esqueceremos disso e que eu farei o que estiver ao meu alcance para enxergar à minha volta o que precisa ser visto para que isso nunca mais se repita.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Fim de ano, vida velha

Pois é... todo final | início de ano é igual. A correria com presentes, comidas, "balanços", avaliações, relatórios, provas, conclusões. E projetos e boas intenções. Como todo ano é assim, tudo isso acaba envelhecendo dentro de nós. E aquilo que era pra ser símbolo de renovação, acaba se transformando em emblema da nossa pressa rotineira. Um emprego que não serve, um relacionamento que não satisfaz, um filho que não compreendemos, um problema sem solução.
Tudo velho e a gente se esforçando pra por roupinha nova em tudo que é velho. E dá um cansaço e a gente sai por aí cometendo atrocidades: correr no trânsito, beber até cair, comer até explodir, gastar até falir...
Triste isso. Deprimente.
hummm, que dizer e o que fazer? quem sabe um mantra?

George Harrison cantando Gopala Krishna